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Era 4 da manhã de uma segunda-feira quando comecei a sentir as primeiras dores do seu nascimento, bem leves e sem ritmo. Mas as dores do meu renascimento já rolavam fazia tempo. Cada dia das 38 semanas e 6 dias que te esperei foram de entrega ao inesperável e incontrolável. Presenciei a transformação do meu corpo, mente e coração a olhos vistos, mas sem aparentemente qualquer participação ativa de minha parte. O que havia pra eu fazer? Esperar. Esperar que você estivesse sendo maravilhosamente formado dentro de mim, que você soluçasse ou desse um chutinho pra eu saber que estava tudo bem e seguir em frente, esperando. Foi tempo de perceber, definitivamente, que não sou dona do meu destino e que o grande protagonista de toda essa história não era nem eu e nem você, mas quem trabalhava nos bastidores das nossas vidas de maneira tão calma, silenciosa e perfeita. Com a espera, aprendi que era preciso abrir espaço para o novo e isso significava abrir mão do velho e da quinquilharia que insistimos em guardar nos nossos armários e corações. Revirei meus valores, ideias, certezas e afofei a terra para que você chegasse. Me despi de vaidades, luxos e, pela primeira vez na vida, pensei mais em outra pessoa que em mim mesma. Me despedia, aos poucos, do meu “eu” de outrora.

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Trabalhei até a sexta-feira anterior ao seu nascimento e fazia algumas semanas que eu sentia minha barriga ficar mais dura em intervalos de tempo menores do que o habitual, mas nunca havia sentido dor. Aquela manhã de segunda era a primeira vez. Ainda assim, eram só cólicas leves. Ainda na cama, abracei seu pai e sussurrei que estava sentindo algumas dorzinhas, mas para não se preocupar que deviam ser como as outras. Só te esperávamos dali a uma semana. Ele me abraçou de volta e ali ficamos, quietos, esperando a próxima contração com um misto de alegria e medo. Será que era hora? Me lembrei da nossa doula dizendo que, mesmo que fosse o inicio do trabalho de parto, deveria aproveitar para descansar nesse começo pois não sabia quanto tempo poderia durar.

Tentei voltar a dormir, mas entre uma cólica e outra, minha cabeça não conseguia parar de funcionar. Estava feliz, muito feliz com a possibilidade de aquele ser o dia que finalmente te conheceria. Mas, ao mesmo tempo, sentia muito medo. Estava chegando a hora! Você chegar significava o fim da espera e meu adeus definitivo ao meu antigo “eu”. Logo agora que eu havia aprendido a esperar. Será que estava preparada?

As dores foram ganhando ritmo e intensidade. Quando essa realidade me veio a mente, ali ainda no escuro e quietude do começo da manhã, orei. Orei para que você viesse da forma mais natural e respeitosa possível e que se sentisse muito amado, querido e desejado. Orei entregando ao Senhor o trabalho de parto, pedindo que Ele conduzisse cada segundo e me desse a força necessária para passar por toda a dor. Orei pedindo sabedoria e misericórdia para ser a melhor mãe que o você poderia ter, mesmo que não me sentisse preparada para isso.

Me levantei e fui para o chuveiro, em parte para me preparar para ir para maternidade, em parte pra ver se aliviava um pouco a dor nas costas que tinha começado a sentir. O papai se levantou junto comigo, deixou o quarto à meia luz, ligou o som, colocou para tocar a playlist que havíamos preparado juntos no dia anterior e saiu pela casa arrumando tudo. Ele sabia que gostaria de voltar para uma casa arrumada e fez isso com muita sensibilidade. Saí do chuveiro e ele havia preparado um chocolate quente e pão na chapa. Tomamos café da manhã juntos e meu coração se aqueceu naquele momento. Percebi que aquele seria o último dia em que éramos somente nós dois. Chorei de dor e de saudade da gente. Vivemos anos tão deliciosos e sem grandes responsabilidades. Nossa vida estava tão confortável, estávamos tão bem ajustados um ao outro e tudo aquilo estava prestes a mudar. Tínhamos que abrir mão do que já era bom para o melhor que estava por vir.

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Às 07h, liguei para a doula e pedi para o seu pai avisar o restante da equipe médica que você estava chegando. Em conversa com a doula, as dores vinham mas eu ainda conseguia conversar e rir e, como minha bolsa não havia estourado, ela me pediu para avisar quando eu achasse que iria precisar dela. Confesso, filho, que até então estava tudo gostoso, as dores iam e vinham totalmente suportáveis, eu e seu pai no lugar que mais gostamos de estar, em casa, curtindo a iminência da sua chegada. Além disso, eu estava em processo de perceber que aquilo tudo estava mesmo acontecendo.

Saí pela casa colocando as últimas coisas na mala de maternidade quando, de repente, precisei parar para sentir a dor. Já não conseguia mais falar, medir o tempo entre uma e outra, nem mesmo pensar em outra coisa senão na dor. Deitei na cama e comecei a me contorcer. Você era tudo o que eu pensava.

As 08h, a doula chegou e eu já não conseguia mais falar, as lágrimas e gemidos eram constantes. Estava com vontade de fazer força. Ela tentou ouvir seu coração e quando percebeu que só dava para escutá-lo quase na minha pelve saímos correndo para o hospital (bem, eu saí meio que mancando e cambaleando hehe). No carro, eu só pedia a Deus que desse tempo de chegar ao hospital. Foram 40 minutos de trajeto e ainda pegamos trânsito! Santa doula e santo Paulo aguentaram meus gritos e me acalmavam dizendo que estávamos quase chegando (mesmo que ainda estivéssemos na Sena Madureira congestionada e o hospital era no Itaim).

A partir desse momento não sei mais que horas eram ou quanto tempo demorou. Estava entregue àquele momento e sentindo intensamente cada dor. Sei que conseguimos chegar no hospital (ufa!) e a nossa obstetriz já estava me esperando para fazer o exame de toque: 10cm de dilatação + 1 (isso significava que eu já estava na fase expulsiva mesmo! Eu sabia que já era hora de fazer força!)

Me levaram para o centro obstétrico onde a nossa médica e pediatra estavam esperando. Sentei na banqueta e uma, duas, três forças que me pareceram intermináveis e você chegou. Às 10h45 da manhã, ainda envolto na bolsa de liquido aminiótico, em paz, no seu tempo, todo enrolado no seu cordão umbilical. Quem te recebeu foi seu pai e depois que te desenrolaram do cordão você veio para os meus braços, onde ficou por horas, mamou os dois peitos e sentiu muito cheirinho de mamãe. Ouvi seu chorinho doce, olhinhos arregalados me encarando e senti seu corpinho frágil enrugado grudado ao meu. Meu tempo parou. Eu, que nunca fui de ter jeito com recém-nascido no colo, sabia exatamente como te pegar, abraçar e amar. Como foi bom perceber que, da mesma forma como você foi maravilhosamente e misteriosamente formado dentro do meu ventre, eu também estava sendo transformada e preparada. Nem tive tempo de me despedir de mim, ali havia renascido, agora mãe.

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